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          A palavra ressoa, tenta dar contorno para as camadas e dimensões de um corpo pós-parido, marcado intensa e eternamente pelas demandas físicas e emocionais da maternidade.

A função-mãe escorre por cada brecha, desloca a subjetividade e muda o centro gravitacional.

Cada mulher artista traz as nuances, os vestígios e as vivências maternas para seu ambiente de criação e encontra um caminho de fala, de produção e de sobrevivência, em busca de uma escuta. A imersão das artistas influencia o mundo real e o novo mundo criado pelas obras, em um processo de entendimento e reflexão da poética visual. São recortes de visões de um corpo-mãe social que mergulha em uma maternidade possível para, em seguida, emergir parcialmente na arte. A arte como linguagem sensível e passível de preencher lacunas próprias da nossa compreensão e incompreensão através de experiências vividas.

Produções artísticas que desestabilizam e ressignificam a representação da maternidade na contemporaneidade, deslocando o entendimento tradicional. Um corpo que deixou de ser um só, tornou-se mãe, em estado indissociável. Viver sob esta condição é alcançar o indizível, talvez o intraduzível. A provocação de pensar desde estes corpos transborda nas obras, embora não seja intenção primeira transpor ou interpretar as sensações por vezes contraditórias.

É neste lugar de subjetividade que as obras se entrelaçam e dialogam. A exposição Corpo-mãe reconhece e visibiliza a criação de novos repertórios contemporâneos produzidos por

mulheres mães artistas.​

          A cabaça representando o útero e a sabedoria em Eu cabaça, de Tatiane Costa. O fruto seco como um espaço que permite o corpo transitar com algo dentro, guardado. O corpo-mãe e o corpo-cabaça carregador de sementes. Apesar de dilacerado, pela morte e pela vida, segue enraizado, firme nos propósitos da espiritualidade. As cabacinhas inteiras remetem aos filhos vivos. As outras, abertas, homenageiam vidas não mais compartilhadas no plano terreno. São cabacinhas partidas. O turbilhão do cotidiano não impede que mulheres sigam parindo filhos, projetos e ideias.

          Em Fragmentos, de Jéssica Caribé (Kaipora), há um pedido de socorro, um último suspiro perante a dor, o medo e a angústia. Sentimentos e sensações presentes em sua experiência materna pessoal, mas que também ressoam coletivamente. Como forma de aliviar parte deste peso, a artista lança a pergunta: “E se eu cortasse meus peitos?”. Ato desesperado, presente no pensamento, capaz de infligir uma dor pungente, sem contudo trazer a libertação esperada.

           Carimbo, de Elisa Elsie, traz a marca da artista, frente e verso, em fuga, em movimento. Um corpo que quer partir e deixar para trás a estrutura física recheada pelo novo ser, grávida, estática, fixada na parede, como um carimbo. Em Fábrica há um corpo sem rosto e sem traços. Um corpo alimento, um corpo teta, apto para fabricar leite humano. Uma redução da complexidade corporal ao peito alimento. É possível ver a parte da mulher responsável por sua condição de nutriz mas ao mesmo tempo erotizada socialmente. A carga elétrica do erótico confrontando a função biológica de produzir leite.

 

          Ter um corpo-mãe é espanto, é habitar um corpo plural. Em Bicho-mãe, a artista Emanuelle Oliveira fala a partir deste lugar de estranheza e desconforto. Um corpo simbiótico de mãe-filho com contornos porosos, diluídos, borrados. Na tentativa de materializar tantas sensações surge a obra permeada de manualidade: um corpo metamorfoseado, monstruoso, duplicado, costurado com uma linha de sutura que não garante uma cicatrização plena, sempre haverá marcas e relevo.

 

          A obra Sem título, de Mariana Feitosa, reúne doze corpos femininos com contornos fluidos e por vezes atravessados por plantas ou seres indefinidos. A dor, o cuidar, o corpo em mutação em diálogo com as obras de Louise Bourgeois. Um corpo desmembrado, sem cabeça e talvez sem órgãos.

 

          Navegando, de Gabi Etinger traz o peso do tempo quase naufragando a pequena embarcação cujo cume abraça um ninho atado por linhas ao pássaro-mãe. A leveza do voo contrastando com a pilha do tempo, com a passagem fugaz e voraz dos dias. O tempo de um corpo-mãe moldado pela cria, num mar de ambiguidades entre estar sempre acompanhada e sentir-se só, da alegria e da tristeza, da aparente calmaria enquanto o interior enfrenta águas revoltas.

          A invisibilidade social da mulher com sua criança, as violências sofridas quando se é mãe e as experiências pessoais e coletivas possíveis somente a partir da maternidade perpassam as obras. Cada uma traz um espaço de elaboração de si mesma. Faltam palavras, sobram sentimentos e trabalho. Maternar é sim trabalhar, mas é também sonhar, um sonho coletivo, de muitas mãos e mães. Afinal, queremos avançar para o futuro, sem esquecer do presente ou do passado, e queremos seguir juntas, em uma verdadeira revolução que exige força e coragem.​​

Título: Eu Cabaça
Autora: Tatiane Costa
Técnica: Escultura com cabaças, raízes, fios e argamassa.
Dimensões: 55 X 55 X 35 cm
Ano: 2025

Audiodescrição - Eu Cabaça
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Título: Fragmentos
Autora: Kaipora (Jéssica Caribé)
Técnica: Pintura sobre massa corrida e gesso
Dimensões: Diâmetro aproximado de 79cm com 4cm

de profundidade
Ano: 2025

Audiodescrição - Fragmentos
00:00 / 05:43
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Título: Carimbo
Autora: Elisa Elsie
Técnica: Fotografia
Dimensões: 30 X 45 cm
Ano: 2015

Audiodescrição - Carimbo
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Título: Fábrica
Autora: Elisa Elsie
Técnica: Fotografia
Dimensões: 40 X 60 cm
Ano: 2020

Audiodescrição - Fábrica
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Título: Bicho mãe
Autora: Emanuelle Oliveira
Técnicas: Fotografia, colagem e costura
Dimensões: 29,7 X 42 cm
Ano: 2025

Audiodescrição - Bicho mãe
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Título: Sem título
Autora: Mariana Feitosa
Técnica: Aquarela sobre papel
Dimensão: 90 X 80 cm
Ano: 2024

Audiodescrição - sem título
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Título: Navegando
Autora: Gabi Etinger
Técnicas: Desenho e bordado
Dimensões: 21 X 59 cm
Ano: 2025

Audiodescrição - Navegando
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​​FICHA TÉCNICA:

Artistas:
Elisa Elsie
Tatiane Costa
Emanuelle Oliveira
Mariana Feitosa
Gabi Etinger
Kaipora (Jéssica Caribé)


Expografia:
Manoela Veloso Passos

Elisa Elsie

Curadoria:
Manoela Veloso Passos

Elisa Elsie

Projeto gráfico:
Germana Gonçalves de Araújo

Produção:
Manoela Veloso Passos

Juliana Aguiar

Sinta Acessibilidade Arte
Coordenação e Roteiro de Audiodescrição: 
Sandra Rosa
Consultoria: Sandra Vicente
Narração: Elaine Souza
Edição e finalização: Bruno Barreto

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